Análise um pouco tardia de Titanic
Eu nem pensava em Titanic até na nossa sexta temática sobre representatividade o Emanuel citar que a Rose, protagonista do filme, representava ele. E eu fiquei tipo: O QUÊ? Ninguém tira Titanic da manga para citar em uma conversa dessa, mas ele fez e a partir disso surgiu uma conversa nos comentários (você pode ver aqui), que me fizeram repensar no filme. Muita gente descarta Titanic "porque é romance". Mas não é só romance. E a dificuldade de perceber isso é o que causa, de maneira geral, à desvalorização de história românticas.
Você sabe dessa desvalorização, né? Já vi incontáveis vezes justificavas de filmes/livros que são tipo "tem romance, mas é bom" (como se ter romance fosse magicamente estragar). Ou "não é só romance", "é além do romance"... Essa semana vi uma lista de razões para assistir The 100 no site da MTV Brasil que tinha essa: 4 – O romance fica para segundo plano. É tipo um "EI, TÁ LIVRE DE ROMANCE, VOCÊ PODE VIR"
Como se alguma história fosse livre de romance. (o que em si é um problema de representatividade) Mas o problema não é ter ou não romance, é quando parece que é uma história centrada nisso meio feminina. Avatar (do bicho azul) também é romance, mas é "aventura de garoto". 007. Transformers. Game of Thrones. The Walking Dead. Mas é o romance em Divergente que é ruim. Tipo, muito de mulher.
Sim, eu acho que existe uma abordagem diferenciada no romance em alguns casos. Não dá pra dizer que o romance em Wolverine é o mesmo que o romance em Diário de uma Paixão (apesar de ter sido bem difícil decidir usar filme de super-herói como exemplo, porque às vezes eles quase são uma comédia romântica). Mas qual é a diferença?
Acho que a diferença é a importância do romance. Wolverine mostra ele se transformando no Wolverine. Diário de uma Paixão mostra a história de amor desse casal. Crepúsculo mostra a história de amor de Bella e Edward. Jogos Vorazes mostra a Katniss sendo fodida pela Capital.
Aliás, The 100 é um ótimo exemplo. O livro é sobre Clarke aprendendo a perdoar Wells para ficarem juntos. A série é Clarke tentando fazer seu acampamento sobreviver na Terra.
E essa é uma definição bem limitadora, porque diferente de filmes, as séries e livros são povoados por diversos personagens com muitas camadas de história. Então por mais que a central seja uma, você tem de tudo. Tanto no livro quanto na série.
Eu entendo preferências, mas eu não sei muito bem como o fato de ser focado no romance pode diminuir a história. Tipo, tem o romance que é só realização de desejo. Vamos ver essas pessoas ficarem juntas e morrer de fofura ou excitação. Apesar de ter jogos tipo os de luta que é só apertar o botão pra vencer, e ninguém reclama que é só apertação de botão porque entende que o jogo é pra isso. Ou filmes de ação que o único objetivo é acariciar o ego do herói com explosões e piadas. Eu gosto disso tudo, apesar de ver só um desses tipos de história receber uma crítica feroz de todos os lados.
E a parte mais frustrante é que essa crítica ao romance não é focada só nessas histórias que preenchem os desejos. A crítica é estendida à toda história que parece ter romance de foco, como se todo romance fosse só um pornô sem sexo explícito.
(ainda tenho dificuldade de entender qual é o problema do romance, mesmo que fosse só pra ver gente se pegando)
Acho que eu tenho uma resposta pra isso, por isso eu citei Titanic. Eu tenho a impressão de que as pessoas não enxergam o romance com toda a profundidade em termo de narrativa que ele pode ter. (quando não falam por falar, aí nem me dou o trabalho de questionar)
Titanic é uma tragédia. Qual é a história? Jack e Rose querem ficar juntos. Nós descobrimos quem eles são, como eles se conhecem, como eles ficam juntos, quais são os desafios pra eles ficarem juntos e como eles lidam com isso.
Só que a história é muito muito mais do que isso. É a história sobre uma mulher de uma família nobre que vivia sob rígidas leis de etiquetas sociais e tem a chance de questionar isso. Descobrir a vida que ela quer ter. Quem ela quer se tornar. É uma crítica à sociedade. É uma batalha contra o conservadorismo. É uma das histórias que confrontam a ideia de quem você é vs. quem querem que você seja. E considerando a época, talvez possa ser até uma história de inclusão que poderia ser tão poderosa quanto um amor interracial ou LGBT+ (apesar de que não é. o rico com o pobre parece que é o mais longe que conseguem ir).
Titanic também é uma história sobre enfrentar seus medos. Tipo, você vai viver escondido em uma vida de segurança, ou vai arriscar ter a vida que você quer?
Tudo fica ainda mais lindo se você pensar em tudo como o símbolo do declíneo de uma "nobreza" ou da glória inglesa. Titanic (alguém relaciona Inglaterra como império naval?), o ápice do luxo, o navio que nunca afunda, gigante, magnífico, etc. em uma viagem entre a Inglaterra e os Estados Unidos, tão seguro de sua soberania até que... eis um iceberg inesperado. Tudo isso é contado através da história do Jack e da Rose. A família dela que perdeu a fortuna e depende dela se casando com um cara rico para manter o status. Ela flertando com uma vida mais arriscada e sonhos de aventura (América? As oportunidades do novo continente? Não é exatamente isso que o Jack tá indo buscar quando entra no navio?).
O Titanic existiu. Fez parte de uma época. Afundou. Mas no filme eles pegam isso e encaixam em um recorte histórico contando uma história que representa tudo isso e muito mais. Uma história, aliás, muito bem contada.
O romance costuma ser muito simbólico. Que forma mais fácil do que representar o anseio de um personagem por um estilo de vida, do que mostrando ele apaixonado por um personagem que representa esse estilo de vida? É o transplatação de um sentimento que todo mundo conhece (desejo, amor, gostar de alguém, etc) para explicar algo maior.
E nem é só simbólico. Tem aquela história de "Homem faz sexo e mulher faz amor" - mentira. Mulher faz negócios. Não porque mulheres sejam seres interesseiros, mas porque historicamente é a forma que o gênero feminino construiu sua identidade e conseguiu seu ganha pão. Pensa assim: o homem quer ter comida em casa, ele trabalha. A mulher se casa.
Hoje em dia, aqui no Brasil, isso não se aplica a todo mundo. Existem leis e incentivos que permitem a mulher trabalhar. Graças a Deus. Mas em muitos contextos culturais com os quais nós ainda convivemos, não é assim.
Eu adoro como Game of Thrones mostra de maneira seca esse lado dos casamentos. Casamento é um contrato. É um negócio. Quando o pai faz suas filhas se casarem com nobres, ele está estendendo seu nome. Enquanto Stannis está causando uma guerra para chegar ao trono, Margaery Tyrell se casa.
Por mais que eu aqui, uma pessoa comum sem herança, me casando com outra pessoa também assim, não vá me garantir o trono do Brasil, essa dinâmica cultural ainda tem influência no pensamento ao meu redor (e meu, inclusive).
Às vezes quando eu pensava com quem eu queria casar (por que eu pensava que ia casar??), eu pensava coisas tipo: quero um cozinheiro pra ter comida boa pra o resto da vida. Quero um massagista. Quero um médico pra não ter que me preocupar em saber nada disso. Quero um advogado pra não ter que perder tempo pensando em burocracia. Quero um cara muito rico pra me dar tudo isso tudo de boa.
Pensar em relacionamento é muito voltado para o tipo de vida que eu quero ter e como isso vai me enriquecer como pessoa.
O que eu não acho que é muito diferente de uma aventura de ação onde eu conquisto tudo isso também, só que lutando. (discussão sobre o que é bom ou não fica pra outro dia, isso aqui não é julgamento, é mais mostrando como é)
A maior diferença é que as histórias são contadas por homens através da visão de homem, onde o romance é realização de desejo e a mulher é o troféu pela sua glória. Então a pessoa assiste 5 filmes de Crepúsculo (wtf por que você faz isso) e pensa que a única coisa sendo mostrada ali é Bella e Edward tentando fazer sexo, o que é por ~ele~ que ela faz tudo.